terça-feira, 12 de janeiro de 2010

HÁ MUITAS COISAS REALMENTE IMPORTANTES

O P2 de hoje, 12 de Janeiro, na coluna "Frases de ontem", cita Francisco José Viegas. O texto transcrito, parecendo de fácil aceitação, revela porém uma visão pouco rigorosa do tema tratado. Leiamos o texto citado: "Sejam quais forem as várias e diferentesconclusões a tirar do acordo entre os sindicatos e o Governo, há uma coisa que parece mais ou menos exigível: que, agora, a discussão se centre em redor do ensino, da escola, da educação — ou seja, do que realmente interessa."
Não é difícil concordar com FJV. num ponto: reduzir a discussão das questões do ensino e da escola à carreira e à avaliação dos docentes, como aconteceu na última campanha eleitoral, pode ser esquecer o essencial. Mas se tal aconteceu — e durante largos meses esse foi o tema quente e quase único — foi exactamente porque sem resolver essas questões que FJV considera menores não há qualquer hipótese de sequer considerar essas que, segundo ele, "são o que realmente interessa." Não é possível pensar na reforma dos currículos e dos programas e no sucesso dos alunos quando boa parte dos docentes — e provavelmente os melhores docentes — se sentem humilhados por uma ministra que de bom grado os trocou pelo aplauso ignorante da opinião pública ("Perdi os professores mas ganhei a opinião pública", M. Lurdes Rodrigues), com acusações gravíssimas à sua deontologia e dedicação, ou, só para citar mais um exemplo, por um secretário de Estado (Valter Lemos) que, ao que consta, se terá referido na Assembleia da República, aos professores que se opunham às barbaridades da ministra — e era a classe quase toda! — como "professorzecos." Como tratar das "questões importantes" se boa parte dos professores que tinham sido o sustentáculo das suas escolas passaram a contar desesperadamente os dias que faltavam para a aposentação — e se aposentaram com enormes prejuízos salariais? Será o acordo agora celebrado suficiente para alterar este estado de coisas? Vejamos: O "acordo" — e foi bom que tivesse sido assinado — apresenta evidentes fragilidades. O quase garantido acesso da esmagadora maioria dos docentes ao topo da carreira fez-se à custa de uma carreira longuíssima — em média 34 anos, sendo que, com o "roubo" do tempo de serviço entre 2005 e 2007 - roubo aplicado a toda a administração pública — e com as distorções decorrentes do modo como se fizeram as recentes "passagens" de um carreira para o outra, boa parte dos docentes actualmente em exercício precisará de quase 40 anos! Acrescentem-se a isto as profundas reservas que toda a classe — a começar pelos sindicatos da Fenprof — manifesta face ao modelo de avaliação de desempenho que, por razões óbvias, deixa prever o desenvolvimento de insanáveis lutas dentro de cada escola, situação agravada pelo poder praticamentee absoluto que, neste processo avaliativo, é atribuído a um único sujeito: o director.
Registe-se também que o acordo ainda está incompleto: dele faz também parte a renegociação imediata das condições de trabalho e dos horários dos professores — matéria aguda que poderá fazer variar o juízo de muitos docentes sobre o acordo assinado.
Não se veja neste meu aparente pessimismo qualquer intenção de pôr em causa o que assinámos. O que assinámos é para cumprir. E repito: foi um acto muito lúcido a sua assinatura por parte dos sindicatos  Mas ter consciência da fragilidade do terreno em que nos passámos a mover é indispensável para que se chegue, de facto, a bom porto. E regresse às escolas pelo menos uma paz relativa que nos permita debruçarmo-nos sobre outras coisas que são também importantes.

1 comentário:

  1. Caro A. Avelãs: o que tenho defendido desde o início de todo este processo (e veja o post que cita, por exemplo) é a infelicidade da opção da ministra MLR — afastando os professores de qualquer decisão sobre o seu estatuto, o seu trabalho e a sua carreira. Tem razão quanto à «fragilidade» — ela depende da forma como os professores encaram os próximos meses. Eu refiro-me «ao que interessa» e peço, logo de seguida, que os professores sejam chamados à discussão. Não posso ser mais claro. Que os professores tenham voz — e que essa voz possa ser mais escutada do que a dos burocratas do ME.
    Francisco José Viegas

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