segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Ao SUL #31














Fotografia de Felizarda Barradas, professora, dirigente do SPGL e fotógrafa. 

1 comentário:

  1. Ode ao Pão
    Poema de Pablo Neruda (trad. Fernando Assis Pacheco)
    Pão,
    com farinha
    água
    e fogo
    te levantas.
    Espesso e leve,
    reclinado e redondo,
    repetes
    o ventre
    da mãe,
    equinocial
    germinação
    terrestre.
    Pão,
    que fácil
    e que profundo tu és:
    no tabuleiro branco
    da padaria
    estendem-se as tuas filas
    como utensílios, pratos
    ou papéis,
    e de súbito a onda
    da vida,
    a conjunção do germe
    e do fogo,
    cresces, cresces
    de súbito
    como
    cintura, boca, seios,
    colinas da terra,
    vidas,
    sobre o calor, inunda-te
    a plenitude, o vento
    da fecundidade,
    e então
    imobiliza-se a tua cor de oiro,
    e quando já estão prenhes
    os teus pequenos ventres
    a cicatriz escura
    deixou sinal de fogo
    em todo o teu doirado
    sistema de hemisférios.
    Agora,
    intacto,
    és
    acção de homem,
    milagre repetido,
    vontade da vida.
    Ó pão de cada boca
    não
    te imploraremos,
    nós, os homens,
    não somos
    mendigos
    de vagos deuses
    ou de anjos obscuros:
    do mar e da terra
    faremos pão,
    plantaremos de trigo
    a terra e os planetas,
    o pão de cada boca
    de cada homem,
    em cada dia
    chegará porque fomos
    semeá-lo
    e fazê-lo,
    não para um homem, mas
    para todos,
    o pão, o pão
    para todos os povos
    e com ele o que possui
    forma e sabor de pão
    repartiremos:
    a terra,
    a beleza,
    o amor,
    tudo isso
    tem sabor de pão,
    forma de pão,
    germinação de farinha,
    tudo
    nasceu para ser compartilhado,
    para ser entregue,
    para se multiplicar.

    Por isso, Pão,
    se foges
    da casa do homem,
    se te escondem,
    se te negam,
    se o avarento
    te prostitui,
    se o rico
    te armazena,
    se o trigo
    não procura sulco e terra,
    pão,
    não rezaremos
    pão,
    não mendigaremos,
    lutaremos por ti com outros homens,
    com todos os famintos,
    por todos os rios, pelo ar
    iremos procurar-te,
    a terra toda repartiremos
    para que tu germines,
    e connosco
    avançará a terra:
    a água, o fogo, o homem
    lutarão junto a nós.
    Iremos coroados
    de espigas,
    conquistando
    terra e pão para todos,
    e então
    também a vida
    terá forma de pão,
    será simples e profunda,
    inumerável e pura.
    Todos os seres
    terão direito
    à terra e à vida,
    e assim será o pão de amanhã,
    o pão de cada boca,
    sagrado,
    consagrado,
    porque será o produto
    da mais longa e dura
    luta humana.
    Não tem asas
    a vitória terrestre:
    tem pão sobre os seus ombros,
    e voa corajosa
    libertando a terra
    como uma padeira
    levada pelo vento.

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