segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

EGIPTO

Hoje (31 de Janeiro) há greve geral no Egipto. Que seja um grande sucesso! Para amanhã prevê-se uma megamanifestação. Oxalá conduza ao derrube de Hosni Mubarak. Certamente a maioria de nós concorda com estas afirmações. Mas uma revolução não se faz pela negativa: contra uma ditadura, contra um presidente, contra… É preciso que ela defina o que quer. E isso ainda não é claro nem na Tunísia nem no Egipto. O dizer que se pretende uma democracia é demasiado vago como programa de uma revolução. Sobretudo quando, como li ontem, se fala numa democracia religiosa.
Apesar de tudo, é com um coração confiante que vou acompanhando o evoluir da situação.

sábado, 29 de janeiro de 2011

AINDA OS COLÉGIOS COM "CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO"

Muito se tem dito e escrito sobre os colégios (provados)com contratos de associação. Nomeadamente tem-se escrito que eles substituíram o Estado lá onde não existiam escolas públicas. Ora isso só é verdade em alguns casos. Já que se está "com a mão na massa" seria interessante saber quem são os donos desses colégios, a que grupos pertencem, quem concedeu contratos de associação a colégios situados em zonas mais do que "cobertas" pela oferta pública, quem decidiu que em vez de escolas públicas previstas para determinadas zonas se construiriam nessas mesmas zonas colégios com "contrato de associação ".

P.S. Alguns amigos têm criticado o facto de eu ter publicado neste blogue um texto intitulado "Grande Isabel", aplaudindo de forma inequívoca o comportamento da ministra nesta questão com os privados. Acham - e têm todo o direito de assim pensar - que um dirigente sindical com as minhas responsabilidades não deveria ser tão "entusiástico". Porém,se se derem ao trabalho de ler o texto - que é muito pequeno - perceberão que o meu aplauso se refere só e explicitamente a esta questão do financiamento dos colégios com contrato de associação. Uma atitude politicamente séria exige que se critique com a veemência necessária o que um governante faz de errado (ou o que não faz e deveria fazer) mas que não haja qualquer pudor em aplaudir e apoiar as medidas correctas. O que ficou patente é que defendo que o movimento sindical docente deve inequivocamente estar do lado da ministra neste caso, como noutros se lhe deve opor de forma clara.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O MEU DEVER É FALAR, PARA NÃO SER TOMADO POR CÚMPLICE

Dada a sua pertinência tomo a liberdade de inserir neste blog este
excelente texto de Santana Castilho recentemente publicado no diário
Público. Merece mesmo ser lido.

Foi duplamente incoerente o apelo ao respeito e à valorização dos professores que Cavaco Silva fez em Paredes de Coura

O meu dever é falar, para não ser tomado por cúmplice

“Que patifes, as pessoas honestas” é uma citação atribuída ao escritor francês Émile Zola, que me revisita sempre que vejo os políticos justificarem com o manto diáfono da legalidade comportamentos que a ética e a moral rejeitam. E é ainda Émile Zola que volta quando a incoerência desperta o meu desejo de falar, para não ser tomado por cúmplice.
Foi duplamente incoerente o apelo ao respeito e à valorização dos professores que Cavaco Silva fez há dias em Paredes de Coura. Incoerente quando confrontado com o passado recente e incoerente face ao que tem acontecido no decurso da própria campanha eleitoral. Em 2008 e 2009, os professores foram continuamente vexados sem que o Presidente da República usasse a decantada magistratura de influência para temperar o destempero. E foi directa e repetidas vezes solicitado a fazê-lo. Por omissão e acção suportou e promoveu politicas que desvalorizaram e desrespeitaram como nunca os professores e promulgou sem titubear legislação injusta e perniciosa para a educação dos jovens portugueses. Alguma ridícula e imprópria de um país civilizado, como aqui denunciei em artigo de 11.09.06. Já em plena campanha, Cavaco Silva disse num dia que jamais o viram ou veriam intrometer-se no que só ao Governo competia para, dias volvidos aí intervir, com uma contundência surpreendente, a propósito dos cortes impostos ao ensino privado. Mas voltou a esconder-se atrás do silêncio conivente, agora que é a escola pública o alvo de acometidas sem critério e os professores voltam a ser tratados, aos milhares, como simples trastes descartáveis.
Imaginemos que o modelo surreal para avaliar professores se estendia a outras profissões da esfera pública. Que diria Cavaco Silva? Teríamos, por exemplo, juízes relatores a assistirem a três julgamentos por ano de juízes não relatores, com verificação de todos os passos processuais conducentes à sentença e análise detalhada do acórdão que a suportou. Teríamos médicos relatores a assistirem a três consultas por ano dos médicos de família não relatores; a verificarem todos os diagnósticos, todas as estratégias terapêuticas e todas as prescrições feitas a todos os doentes. Imaginemos que os juízes teriam que estabelecer, ano após ano, objectivos, tipo:
Número de arguidos a julgar, percentagem a condenar e contingente a inocentar.
O mesmo para os médicos: doentes a ver, a declarar não doentes, a tratar directamente ou a enviar para outras especialidades, devidamente seriadas e previstas antes do decurso das observações clínicas. Imaginemos que o retorno ao crime por parte dos criminosos já julgados penalizaria os juízes; que a morte dos pacientes penalizaria os médicos, mesmo que a doença não tivesse cura. Imaginemos, ainda, que o modelo se mantinha o mesmo para os juízes dos tribunais cíveis, criminais, fiscais ou de família e indistinto para os otorrinolaringologistas, neurologistas ou ortopedistas. Imaginemos, agora, que um psiquiatra podia ser o relator e observador para fins classificativos do estomatologista ou do cirurgião cardíaco. Imaginemos, por fim, que os prémios prometidos para os melhores assim encontrados estavam suspensos por falta de meios e as progressões nas respectivas carreiras congeladas. Imaginemos que toda esta loucura kafkiana deixava milhares de doentes por curar (missão dos médicos) e muitos cidadãos por julgar (missão dos juízes). A sociedade revoltava-se e os profissionais não cumpririam. Mas este modelo, aplicado aos professores, está a deixa-los sem tempo para ensinar os alunos (missão dos professores), com a complacência de parte da sociedade e o aplauso da outra parte. E os professores cumprem. E Cavaco Silva sempre calou.
Ultrapassámos os limites do tolerável e do suportável. Ontem, o estudo acompanhado e a área projecto eram indispensáveis e causa de sucesso. Hoje acabaram.
Ontem, exigiram-se às escolas planos de acção. Hoje ordenam que os atirem ao lixo.
Ontem, Sócrates elogiou os directores. Hoje reduz-lhes o salário e esfrangalha-lhes as equipas e os propósitos com que se candidataram e foram eleitos.
Ontem puseram dois professores nas aulas de EVT em nome da segurança e da pedagogia activa. Hoje dizem que tais conceitos são impróprios.
Ontem sacralizava-se a escola a tempo inteiro. Hoje assinam o óbito do desporto escolar e exterminam as actividades extracurriculares.
Ontem criava-se a Parque Escolar para banquetear clientelas e desorçamentar 3 mil milhões de euros de dívidas. Hoje deixaram as escolas sem dinheiro para manter o luxo pacóvio das construções ou sequer pagar as rendas aos novos senhores feudais.
Ontem pagaram a formação de milhares de professores. Hoje despedem-nos sem critério, igualmente aos milhares.
Os portugueses politicamente mais esclarecidos poderão divergir na especialidade, mas certamente acordarão na generalidade: os 36 anos da escola democrática são marcados pela permanente instabilidade e pelo infeliz desconcerto politico sobre o que é verdadeiramente importante num sistema de ensino. Durante esses 36 anos vivemos em constante cortejo de reformas e mudanças, ao sabor dos improvisos de dezenas de ministros, quando deveríamos ter sido capazes de estabelecer um pacto mínimo nacional de entendimento acerca do que é estruturante e incontornável para formar cidadãos livres. Sobre tudo isto, o silêncio de Cavaco Silva é preocupante e obviamente cúmplice.

Santana Castilho Professor do ensino superior in Publico 19.01.11

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

GRANDE ISABEL!

À macabra encenação dos directores de algumas escolas privadas com contrato de associação e de alguns papás e mamãs (as crianças foram carne para canhão), Isabel Alçada respondeu com inusitada e clara firmeza: não há lugar para manter privilégios e lucros excessivos à custa do erário público. É verdade que estas escolas prestam um serviço público, como tal devem ter o mesmo custo por aluno turma que qualquer outra escola pública. Esta luta vai ser prolongada e difícil. Compete a toda a esquerda apoiar, neste caso, esta medida do governo porque ela é justa e corajosa. Que não haja vacilações. Mas há outros lados do problema:

1º - é necessário mostrar com clareza qual o custo médio por aluno nas escolas públicas. Não creio que seja tarefa impossível.

2º- o Estado não pode demitir-se da sua obrigação de cobrir com escolas públicas todo o território do país. Deverá fazê-lo de forma programada, salvaguardando os legítimos interesses das escolas privadas que o substituíram durante este largo tempo em algumas regiões. Mas só a essas e não às que foram ilegalmente criadas onde não eram precisas e em concorrência desleal com as escolas públicas já existentes. Contam-me, por exemplo, que em Caldas da Rainha o grupo GPS criou uma escola com contrato de associação no espaço em que estava prevista a construção de uma EBI pública! Porquê? Com a conivência de quem?

Repito o que já escrevi algures: o espaço do ensino privado é o de um ensino alternativo e diferente do ensino público, suportado por quem por ele opte, seja por motivações religiosas, estéticas, pedagógicas, políticas ou quaisquer outas. Com esta clarificação enobrece-se; com manifestações como a de ontem (25 de Janeiro) o ensino privado degenera em caricatura do que seja a liberdade de ensinar e aprender.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O NARCISISMO DO "PROTESTO"

Afinal, esta sondagem não andou assim tão longe da realidade: 2 223 133 portugueses votaram em Cavaco Silva (é legítimo, a mim não me vão ouvir a dizer mal da democracia), e elegeram-no com 52,9%. Mas foram 2 500 625, 55,8% dos que foram votar, os que contribuíram directamente para a sua eleição. 4 943 864 não foram sequer votar; somados aos 277 492 (6,19%, o suficiente para forçar uma segunda volta) que votaram mas não contaram para os votos expressos e aos votos do Cavaco, 77,3 % dos eleitores optaram pela continuidade de um político que está a marcar o sistema desde 1985, mesmo que cerca de 55% não tenha votado nele. É legítimo, a mim não me vão ouvir a dizer mal da democracia.
Diz-se por aí que os não-votos são votos de protesto. São mais, eu votei com cruz no quadradinho, e também protestei. Ou menos, que ninguém pode ler o que está em branco. Numa eleição em que votos brancos e nulos são equiparados na contagem à abstenção e em que não há consequências representativas para os votos que não se traduzem numa eleição (que o diga o Manuel Alegre… como se viu, a única coisa que se pode fazer com um milhão de votos é festas ao ego), contribuir para um resultado é… contribuir para um resultado, ponto. E o resultado que temos é o Cavaco Silva sempre eleito à boleia de um protesto tão vago e vazio que se esqueceu de o incluir como alvo.
Este senhor apelou à "abstenção activa." Tem tanto direito a reclamar "vitória" como a vizinha do lado que diz que não votou para castigar o facto de não haver mulheres candidatas ou quem escreveu no boletim que a prima da sogra estava a comer pasteis de nata à pala do rendimento mínimo e por isso devia ser proibida de votar ou obrigada a votar a fazer o pino. E agora divirtam-se a discutir se é mais protestante sair de casa para que tudo fique na mesma ou nem se dar ao trabalho de sair de casa por isso mesmo e um queijo. Enquanto já o estão a fazer, o cavaco lê a Visão descansadinho e o Oliveira e Costa é julgado uma semana depois da data marcada.
Se votamos no que só nós sabemos (e ainda exigimos que nos contem as não participações nas votações em alternativa), a política continua a ser dos outros, os maus, os igualmente maus, os mais maus que os maus. À espera do special one que nos vai galvanizar a todos até se achar demasiado impoluto para a nossa impoluta cruzinha. Temos a democracia que fazemos, e fazemo-la quando achamos que são os outros que a estão a fazer. E temos os protestos que escolhemos fazer. Ou não.

Foto: The Remarkable Rocket, Oscar Wide.
Now I am going to explode," he cried. "I shall set the whole world on fire, and make such a noise that nobody will talk about anything else for a whole year." And he certainly did explode. Bang! Bang! Bang! went the gunpowder. There was no doubt about it.
But nobody heard him, not even the two little boys, for they were sound asleep.

sábado, 22 de janeiro de 2011

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

VAMOS A ISSO!

Até pode ser que dê alguns votos. Mas um presidente/candidato (Cavaco) alegar que é necessário que não haja 2.ª volta porque se houver os "mercados" zangam-se e aumentam-nos os juros é um escarro na democracia. A resposta só deveria ser uma: obrigá-lo a ir mesmo a uma 2ª volta… e derrotá-lo. Vamos a isso!

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

BEM DITO!

"Nenhum português compreenderá que se financie a níveis superiores o ensino privado em relação ao ensino público", Isabel Alçada, Ministra da Educação.
Com pelo menos uma excepção: Cavaco Silva, a ajuizar pelo descarado apoio que tem dado às manifestações dos colégios e da igreja contra a legislação que pretende concretizar esse princípio.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

DIFÍCIL DE ENTENDER

A gasolina e o gasóleo estão mais caros agora que o barril de brent ronda os 100 dólares do que quando o barril custava perto de 150…
Pode-se explicar, mas é muito difícil de entender…

GOVERNO: A ARTE DE FINGIR

Nos últimos dias os funcionários públicos tiveram acesso aos novos recibos de vencimento, que constituem uma verdadeira "mentira". É que, formalmente o nosso vencimento base não sofreu qualquer "corte": é exactamente igual ao de Dezembro de 2010. Só que, na última linha, aparece a aplicação de uma taxa, variável, sobre esse vencimento.
Esta solução permitirá a um qualquer governo defender que o salário de um professor, por exemplo, é o mesmo que ele tinha no ano passado (escondendo que de facto foi diminuído entre 3 e 10%). Até porque em lado nenhum se refere o novo vencimento reduzido. Tudo se passa como se tivesse sido criado um novo imposto que se aplica apenas a alguns cidadãos. Ou, ainda mais absurdo, sugere a existência de uma taxa que os funcionários pagam por um serviço que o Estado lhes presta. Enfim, artimanhas para esconder a verdade: estamos a ser roubados -e muito!
(Não há por aí um BPN que me garanta 140% de lucro em dois anos?)

domingo, 16 de janeiro de 2011

PRIMAVERA #24

















Fotografia de Felizarda Barradas, professora, dirigente do SPGL e fotógrafa.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

OS SOFISMAS DE ALEXANDRE VENTURA

O secretário de Estado Alexandre Ventura disse ao DN do dia 14 de Janeiro que “os sindicatos podem estar descansados pois as escolas terão os professores necessários.” Certamente terão. Mas a questão não é essa: é a de saber como são determinadas essas necessidades. A supressão das áreas ditas “não curriculares”, a exclusão do desporto escolar, o fim do par pedagógico em Educação Visual e Tecnológica, a atribuição de turmas aos subdirectores, a criação de mega agrupamentos e outros medidas já anunciadas reduzirão de forma inequívoca as “necessidades “ de professores nas escolas. Mais claramente: a satisfação das necessidades das escolas/agrupamentos permite o despedimento de milhares de professores. É este drama que atingirá muitos milhares de docentes empurrados para o desemprego que A. Ventura quer esquecer. A pergunta a que o sr. Secretário de Estado deve responder é outra: o cálculo das necessidades das escolas supõe ou não a “dispensa” de milhares de professores?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

LIBERDADE DE ENSINAR E DE APRENDER

1. A escola pública, desde que seja de qualidade, garante, melhor que qualquer das privadas, a verdadeira liberdade de aprender e ensinar. Ela recebe obrigatoriamente as crianças e os jovens, sem os discriminar; nela e só nela o conjunto variado de grupos sociais, étnicos e religiões convivem com naturalidade; nela se dá a pluralidade de métodos pedagógicos cuja escolha compete ao professor; ela , ao contrário da maioria das privadas, não é "confessional", admitindo as diferentes confissões religiosas numa área de frequência facultativa. A escola pública não discrimina, integra.

2. A escola pública criou estruturas e mecanismos legais que possibilitam a intervenção, a crítica, a participação das famílias e das comunidades. As famílias não "entregam" a educação dos seus filhos à escola, colaboram com a escola na educação dos seus filhos.

3. A educação e o ensino não são um apoio do Estado às famílias. São obrigações de um Estado moderno que a ele compete concretizar de uma forma democrática e plural. Só assim, como a história o evidencia, se garante a sua universalidade.

4. O Ensino privado deve desempenhar o seu papel — o de uma escola alternativa para quem a escolher. Mas não compete aos contribuintes assegurar e pagar opções particulares desde que o Estado garanta a universalidade da escola pública.

5. O modo como até agora este governo tem vindo a equacionar a necessidade de racionalizar os chamados contratos de associação com algumas escolas privadas merece o meu apoio. Esperemos que a força da igreja católica o não leve a cedências injustificadas.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

OS TRIBUNAIS NÃO GOVERNAM – PROTEGEM OS CIDADÃOS CONTRA OS DESMANDOS DE QUEM GOVERNA

Em artigo publicado hoje, Página1 on line, Sarsfield Cabral sustenta que a apresentação de providências cautelares contra os cortes salariais unilateralmente impostos a um conjunto de trabalhadores – os da Administração Pública – é uma tentativa de “governar pelos tribunais.” É a sua perspectiva. Espero que aceite a minha: o recurso aos tribunais ainda é um meio democrático de tentar impedir medidas ilegais e, sobretudo, injustas, impostas sem qualquer negociação com os sindicatos, em nome do que alguns olimpicamente definiram como o interesse nacional. Os tribunais não governam, é certo. Mas compete-lhes proteger os cidadãos contra os desmandos de quem governa. Foi isso que tentámos. Veremos os resultados.

NOT IN MY NAME

Amanhã, Julian Assange vai ser ouvido em tribunal a propósito de crimes sexuais alegadamente cometidos na Suécia. A audição vai ter lugar em Belmarsh, local normalmente destinado a casos de terrorismo.
São obviamente coisas muito diferentes. Defender a WikiLeaks e a liberdade de expressão não implica complacência perante crimes sexuais. Mas quando atacar a WikiLeaks passa por criar ambiguidades graves no tratamento destas agressões, o que está em causa já não é só a liberdade de expressão, é também a coerência do feminismo.

1. Julian Assange não foi ainda acusado de nada. A justiça sueca deseja interrogá-lo acerca de uma eventual "violação menor", figura jurídica que existe na lei sueca, e que não equivale, de todo, ao conceito de violação como «crime cometido por constranger ou obrigar outra pessoa a sofrer ou praticar relações sexuais, por meio de violência, ameaças ou após a ter posto na impossibilidade de resistir.» O delito aparentemente terá sido pressão física para acto sexual, não utilização não consensual de preservativo e até danificação deliberada de um. Ser claro em relação isto não minimiza a gravidade destes actos, chamar-lhe «violação» menoriza a gravidade dos contemplados na definição da Infopedia.

2. Antes de mais, é necessário provar que estes actos aconteceram, e da forma como são descritos pelas vítimas. Prescindir da presunção da inocência em falta de prova viola um princípio básico de justiça, o que afecta acusados e vítimas. Não só porque é inadmissível que os crimes sexuais estejam cobertos de uma aura de dúvida permanente, como ainda porque a discriminação positiva em termos legais infantiliza e fragiliza as mulheres. Acreditar nas mulheres não implica desumanizá-las ao ponto de achar que não podem mentir; e condenar mediante prova revela um sistema jurídico maduro, que não se guia por preconceitos morais (como é o caso quando o sentido é o inverso, isto é, quando as vítimas sabem à partida que não vão ser levadas a sério). Isto não implica que não se tenha em conta a relação de poder entre violador e vítima em tribunal, mas que quebrá-la implica não confundir protecção com paternalismo.

3. Os actos sexuais em questão foram assumidamente consensuais no início. As vítimas alegam que terão deixado de o ser. O que é perfeitamente plausível. Mas é preciso estabelecer como e quando é que o não consentimento é comunicado. No means No em qualquer altura, mas se defendemos que a ambiguidade é admissível como negação, então abrimos espaço à argumentação de que a negação pode ser ambígua. Ambas as vítimas mantiveram comprovadamente um bom relacionamento com Julian Assange após os alegados crimes, o que nos leva à segunda questão: existe violação retroactiva? Sim, se as vítimas não tiverem consciência de que os actos cometidos sobre elas constituíam crime. Mas isto é diferente de admitir que a retroactividade da consciência do crime se aplica às circunstâncias e não aos actos. Uma relação sexual consensual num contexto ilusório passa a violação (menor ou maior…) quando um dos parceiros toma consciência, por exemplo, de que a monogamia é unilateral? As denunciantes dirigiram-se à polícia após uma delas ter entrado em contacto com a outra para saber o paradeiro de Julian Assange; e o que as motivou foi saber se era possível exigir um teste para despiste de doenças sexualmente transmissíveis, não a denúncia de qualquer crime sexual.

4. Qual é a relação entre a legislação e a consciência da população? A lei sueca tem sido descrita como «feminista», mas nenhuma das duas mulheres estava consciente de que teria sido vítima de algum crime até tal lhes ter sido sugerido pela polícia. E como se explica que duas mulheres que vivem numa sociedade que criminaliza o sexo desprotegido (não consentido) exijam um teste em pleno período-janela, como se não existisse a possibilidade real de um falso negativo num dos diagnósticos (o do HIV)? São detalhes menores, mas indiciam que algo está a falhar se a legislação sueca tem objectivos emancipadores/esclarecedores.

5. O ponto absolutamente fundamental: a procuradora que analisou a queixa em Estocolmo considerou que não havia qualquer indício de crimes sexuais. Isso mesmo, o caso foi arquivado. Não houve apelo para outra instância (já que não houve condenação, nem sequer acusação, nem sequer crime), não apareceram novos dados, o processo foi sim entregue noutra jurisdição (Gotemburgo), onde lhe foi dado andamento. Ora, levar a sério os crimes sexuais em contexto legal pressupõe processos cristalinos, sem mácula, sem suspeita clara de ingerência de interesses políticos ou pessoais. Não é o caso.

Em suma, os serviços prestados pela Suécia ao feminismo, pelo menos neste caso, são no mínimo um equívoco. Aliás, pressupor que actos como exercer pressão física para acto sexual com ou sem preservativo são exclusivamente masculinos é absolutamente pacóvio. E machista.
Resta-nos Belmarsh, que tem a virtude de tornar tudo bastante claro. O objectivo é facilitar a extradição de Julian Assange para os EUA, para ser julgado por espionagem. E para aqui o feminismo só é chamado se acharmos que a liberdade e a justiça fazem parte da coisa.

domingo, 9 de janeiro de 2011

ALEGRE

Nos últimos dias acentuou-se a pressão neoliberal sobre Portugal: os bancos e os especuladores aumentam a pressão recorrendo a mecanismos financeiros, a comunicação social (internacional) difunde e amplia as intenções dos "mercados", altas autoridades da UE associam-se ao coro exigindo que o país peça ajuda ao FMI. Mesmo que não se venha a dar a "entrada" oficial do FMI, a pressão exercida acabará por condicionar o Governo, obrigando-o a tomar medidas de natureza idêntica às que resultariam da intervenção dessa instituição internacional. Estamos, pois, perante uma situação particularmente difícil. É nestes momentos que se torna mais necessária a clarificação ideológica: o modo mais imediato de reduzir as despesas do Estado é cortar nos "grandes agregados": a saúde, a educação, a segurança social, os salários (ainda mais do que já sofreram). É a solução imediata, que alguns (a começar por Cavaco Silva) se esforçarão por mostrar que é a "única". Mas é certamente a mais injusta; e não é nem a única, nem a mais adequada… Também por isso o apoio a Manuel Alegre é mais do que necessário. A reiterada afirmação de Alegre na defesa intransigente dos serviços públicos dá-nos a força e a confiança para enfrentar os ataques da "finança" contra o país.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O QUE É O “INTERESSE PÚBLICO”?

Quase sempre que os sindicatos interpõem uma providência cautelar face a uma qualquer legislação de legalidade inexistente ou duvidosa, o Governo invoca, à falta de outras razões, o “interesse público” e os prejuízos que decorreriam da não aplicação da legislação em causa. Argumentação que, reconheça-se, tem “vingado” nas decisões tomadas pelos juízes. Convém contudo sublinhar dois aspectos: a noção de “interesse público” é extremamente genérica e, portanto, muito pouco objectiva. Como se “mede”? Como se define? Além disso, o repetido recurso a esta figura significa uma real perda de direitos dos cidadãos face a um difuso conceito de “ interesse público”. Será dizer qualquer coisa como: tu até podes ter razão, mas em nome do” interesse público” há que decidir em contrário! O uso sistemático desta “arte” prefigura muito mais uma ditadura do que uma democracia.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

CAVACO SILVA: CAMPANHA SUJA OU DESCULPAS ESFARRAPADAS?

A melhor maneira de travar ou evitar campanhas sujas é esclarecer de modo inequívoco as dúvidas existentes. E às questões de fundo em torno do BPN, Cavaco não responde. É necessário que se saiba a quem comprou e a quem vendeu Cavaco Silva as mais de 200 mil acções da SLN — detentora principal do BPN. É necessário que se saiba se um economista com as responsabilidades políticas de Cavaco Silva acha "normal" que acções compradas sejam vendidas dois anos depois com o lucro de 140%!
Dir-se-á que esta venda e estes lucros são da vida privada de Cavaco. Mas deverá também dizer-se que estes lucros (de Cavaco e dos outros investidores e accionistas da SLN/BPN) estão a ser pagos por todos os contribuintes. E os contribuintes têm o direito de recusar que os seus impostos sirvam para sustentar estes negócios comparados com os quais a D. Branca era uma angélica criatura! Enquanto Cavaco não esclarecer isto, a campanha suja - de intoxicação da opinião pública — é a dele, não a dos que exigem transparência.

domingo, 2 de janeiro de 2011

A PROPÓSITO DA MORTE DE ARNALDO MESQUITA

Não conheci pessoalmente Arnaldo Mesquita, mas sempre senti uma profunda admiração por estes advogados que tentavam o impossível: argumentar com a lei e com a justiça perante juízes telecomandados pelo poder fascista, juízes para quem a lei e a justiça eram empecilhos a ultrapassar. Eu próprio tive o apoio de um deles — o saudoso Manuel Palma Carlos.
Mas o que leva a escrevinhar esta nota é interrogar-me sobre o que aconteceu a esses "imparciais" juízes, cuja única lei era a vontade da PIDE. Tal como os PIDES terão sido tratados com a romântica benevolência da Revolução de 25 de Abril. Terão sido luxuosamente aposentados? Alguma medalha pelos altos serviços prestados à Nação? Alguma cátedra?
Não se trata de vingança. É que a médio prazo, a benevolência do momento torna-se num espinho na nossa memória histórica.