Por João Paulo Videira
Qual o peso burocrático-administrativo que um modelo de ADD suporta?
Pouco. Muito pouco. A questão da burocracia e seu cruzamento com a ADD é antiga e recorrente por uma razão óbvia. A avaliação implica registos e formalização e isso só pode fazer-se recorrendo a mecanismos burocráticos e administrativos. Contudo, salvo casos excepcionais, os professores reagem muito mal a tais mecanismos uma vez que estão fora do âmbito funcional da sua profissão. Não foi para isso que estudaram, não foi para isso que foram treinados e não é para isso que fazem formação ou investigação. Logo, mesmo sem quantificar, porque seria tarefa inglória e impossível, consigo dizer que as tarefas burocráticas e administrativas devem ser reduzidas ao mínimo indispensável. E Digo mesmo mais: é muito mais importante registar bem do que registar muito.
De resto, a experiência vivida no passado recente mostrou-nos algo interessante: a reclamação central dos docentes em relação à ADD era que queriam que os deixassem ser professores, que precisam de ter tempo para aquilo que é importante e fundamental: as aulas. É evidente que também reclamámos uma avaliação justa e pertinente mas, antes de mais, sentimos que estávamos a desviar-nos da essência da nossa profissão e tal não era admissível. Ora, a causa central identificada como responsável por tal desvio foi a chamada “carga burocrática”. A meu ver, não repetir este erro já nem é uma questão de inteligência política, é uma simples questão de sensibilidade e bom-senso. Tendo sido esta expressão cristalizada no tempo por uma escritora, esperemos que a actual senhora Ministra da Educação, também escritora, seja sensível à formula austeniana.
Outra questão interessante prende-se com a responsabilidade de execução das tarefas burocrático-administrativas. A meu ver só aquelas que forem da exclusiva responsabilidade do docente e tenham de ser assinadas por ele devem ser executadas por ele. Todas as outras tarefas deste teor têm de ser executadas por outros elementos da comunidade escolar que não os professores.
E porque corre tanta tinta e ferve tanto sangue a propósito desta questão? Acredito em três grandes motivos que nos devem fazer reflectir. Primeiro, um excessivo labor de índole burocrática com uma profusão desnecessária de instrumentos de registo e formalização tem como consequência a perda do teor pedagógico, logo formativo, da ADD. Ora, quando se chega a este ponto, normalmente os avaliados perguntam “Mas porque é que eu estou a fazer isto?” ou “O que é que isto acrescenta à qualidade do meu desempenho?” Segundo, decorre da primeira constatação esta segunda que se resume a isto: o avolumar das tarefas burocráticas, vulgo preenchimento de papelada inútil para arquivar onde nunca mais ninguém irá, faz com que se esfume no horizonte o propósito da Avaliação do Desempenho. Envoltos nas tarefas pequeninas, imediatas, urgentes e erroneamente consideradas imprescindíveis, os docentes perdem no seu horizonte de trabalho em torno da ADD aquilo que não sendo urgente é importante: o porquê, o propósito, o objectivo a que um tal conjunto de tarefas deveria conduzir. A consequência imediata disto é os avaliados sentirem-se perdidos no processo e passarem a executar mecanicamente e sem qualquer ligação ou teor formativo os diversos passos do processo. Por fim mas não menos importante a terceira razão por que tanto se fala da “carga burocrática”: trata-se do inexorável facto de as tarefas de avaliação do desempenho poderem converter-se num obstáculo ao desempenho propriamente dito. Usando uma imagem futebolística, que normalmente desprezo mas aqui me parece ser útil, é como aquele jogador que faz muitas e maravilhosas fintas mas nunca passa do meio campo nem deixa a equipa jogar. Normalmente, no fim de um jogo desses, há frases do género “A equipa X joga muito bem, nem merecia ter perdido por 7-0!” Acontece que o peso das tarefas burocráticas é exercido em cima de profissionais que estão desempenhando uma profissão complexa e exigente, que requer múltiplas atenções, milhares de pequenas e grandes acções, muito estudo, investigação, sentido ético e uma grande concentração. Ora, a papelada provoca, com facilidade, ruídos no desenvolvimento deste processo complexo que é a docência.
Por tudo isto, acredito que os ciclos avaliativos devem ser mais espaçados no tempo do que actualmente. Não me parece que ciclos bienais possam levar a bom porto. Se há consequências da ADD na carreira, se a carreira se estruturará, a ver vamos, em escalões de quatro anos, o que faz mais sentido nesta perspectiva que temos vindo a analisar hoje, é que, independentemente de ser contínua, a ADD tenha um momento formal uma vez por escalão, ou seja, de quatro em quatro anos.
Um designer russo, Dimitri Kirsakov, escreveu um dia as 10 regras de ouro para se ser um bom designer. Sei que não estamos a falar de designers nem de design mas não resisto a transcrever aqui a primeira dessas regras: “Keep it simple”.
Efectivamente, acredito que a simplicidade de procedimentos, alicerçada em poucos e bons instrumentos bem como suportada por uma atitude de confiança nos professores será mais pertinente e eficaz, irá ao encontro do que realmente se pretende com a ADD porque não estaremos a desviar-nos para questões paralelas e acessórias dado que a simplicidade de processos permite ganhar atenção para a essência do que está a ser trabalhado. E o que está a ser trabalhado é tão importante quanto interfere directamente na qualidade do serviço público de Educação, logo, no futuro do nosso país.
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