quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

LIBERDADE(S)


A 24 de Novembro de 1993, dois dias antes desta reportagem, apanhei o meu primeiro enxerto de porrada numa manifestação. Tinha 18 anos, e escondida atrás de um carro murmurava sem parar : "o governo caiu, o governo caiu." Tinha 18 anos e as entranhas cheias de Abril e de padrões cristalinos de democracia, e não admitia que um governo que lançasse cães e bastões sobre estudantes pudesse sobreviver. 
Mas sobreviveu. Uns bons anos, que nos valeram mais umas bastonadas e muita filha da putice, e, mesmo perdida a minha candura democrática, se me dissessem que esta corja ainda ia estar no poleiro 17 anos depois, não acreditava. 
Mas está. Com variantes, é certo. E não é menos certo que se na altura houvesse blogosfera, twitter e causas no facebook nada me teria salvo de um ataque cardíaco. Porque parece mesmo, mesmo que o governo está prestes a cair, e eu, que até acho que o Sócrates é mesmo um aldrabão que assinaria por baixo todas as filhas da putice do cavaquismo, se calhar devia estar vestida de branco e a sair de casa.
Mas não estou. Não tenho nada a dizer sobre os odores da direita, e sou daquelas que se desfaz em sorrisos e cortesias sinceras quando vê uma cara ideologicamente improvável numa causa como o aborto ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas, sinceramente, não acho que a liberdade de imprensa esteja em perigo em Portugal. Acho, isso sim, que Sócrates não se importaria muito que estivesse, mas também sei que se a fronteira passasse a ser entre quem acredita que a liberdade de imprensa depende do capital investido e quem apoia a independência dos jornalistas Sócrates estaria vestido de branco e seria benvindo.
E Também não me parece que a queda de Sócrates seja um fim em si mesma; é antes um meio, necessário e desejado, para uma alternativa. E é a unidade em torno dessa alternativa que me convoca para manifestações. 
Estou, portanto, de acordo com a primeira parte do texto do Daniel. Mas não com a segunda: estou-me marimbando para a unidade que se transforma também num fim em si mesma. Digam-me em que consiste a alternativa, e é em torno dela que se constrói a unidade; não me venham é dizer, por favor, que a alternativa é a unidade.
Fico em casa porque o cavaquismo não é alternativa ao socratismo. Ou porque tenho para mim que o Sócrates se anda a pelar por que o façam cair para ver se saca uma maioria absoluta. Ou, sobretudo, porque a liberdade até se pode vestir de muitas cores, mas não devia ser pau para toda a retórica e muito menos esquecer-se que ela é que é um fim em si mesma.

É como diz o tio Fonso Roixo, num mirandês "preinho de feturo":

Hai giente que nun antende,
Ua sencilha berdade:
Nunca há-de haber un mercado
Que benda la libardade.

(L Purmeiro Livro de bersos de Fonso Roixo, 2009)

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