sábado, 23 de outubro de 2010

NÃO DÁ PARA FALAR DE RANKINGS EM POUCAS PALAVRAS

Todos os anos, quando saem os rankings das escolas segundo o resultado dos exames nacionais, fico tremendamente irritada. Não pelos números em si, mas pelas falsas conclusões que ficam no ar sobre o que eles significam. Não sei bem qual é o objectivo destas listas hierárquicas; percebo que se avaliem os resultados das escolas, mas não posso deixar de pensar que os resultados em exames são apenas um elemento de avaliação. E acharia bem que qualquer avaliação tivesse como objectivo diagnosticar problemas e perceber onde é que se pode intervir, mas a posição numa tabela nada indica sobre isso — quanto muito, seria possível tirar conclusões quanto ao desempenho de uma escola comparando as suas médias ao longo dos tempos, mas é irrelevante para qualquer efeito concreto se é a melhor ou a pior da lista.
É escandalosamente absurdo que os meios de comunicação que divulgam estas coisas com tanto entusiasmo não expliquem que os rankings nada indicam quanto à qualidade das escolas. Não se pode comparar o que não é comparável, e o facto de as escolas de elite seleccionarem os alunos, quer seja pelo rendimento quer pelo desempenho anterior, torna ilegítima qualquer comparação com estabelecimentos de acesso livre. Aliás, o que os rankings permitem constatar, e de forma consistente, é que o estatuto socioeconómico dos alunos é determinante na sua prestação escolar. Para se aferir o quer que seja em relação às escolas em si, seria preciso comparar apenas os resultados de estudantes oriundos das mesmas classes e verificar se diferem consideravelmente consoante estudam em escolas públicas ou privadas, por exemplo. E eu diria que o trabalho mais válido da comunidade escolar estará certamente nas escolas nas posições mais baixas, onde é de esperar, olhando para os resultados globais, que se encontrem os alunos com mais dificuldades e maiores probabilidades de aumentar os números do abandono escolar.
O segundo logro: a ideia de que a matrícula numa escola de topo garante melhores resultados nos exames. Os rankings baseiam-se em médias, e portanto nada impede, por exemplo, que um aluno de uma escola num posição elevada obtenha resultados miseráveis, ou que haja alunos excelentes nas escolas com médias mais baixas (como é óbvio!). Mas é este o efeito mais pernicioso da cultura dos rankings: nos últimos anos temos assistido a um êxodo da classe média do ensino público, com consequências graves causadas pela ausência de pais mais intervenientes na dinâmica escolar e, sobretudo, pelo desaparecimento progressivo da grande mais-valia da escola pública: a diversidade. E é muito grave que a reacção de algumas escolas públicas tenha sido passar a condicionar a entrada de alunos, criando uma espécie de ilhas de elite e mandando às urtigas qualquer papel social e critérios pedagógicos. Para já não falar das consequências políticas quando os partidos de direita propõem, no fundo, a implementação assumida de um sistema de ensino a duas (ou mais) velocidades, confundindo benefícios fiscais com liberdade de escolha (da qual ficariam sempre excluídos, por exemplo, os que não têm como pagar mensalidades que possam ser reembolsadas através da máquina fiscal) e pondo em perigo o financiamento do sistema público.
Algo vai muito mal quando a pretensa filosofia do rigor se deixa levar pelo populismo dos top 10, sem querer ver que o risco de nivelar por baixo é tão real como qualquer estímulo que possa ser criado pela competição: uma má performance em termos absolutos é de valorizar se for melhor que as outras? Rankings, quadros de honra e quejandos, que incutem nas crianças desde terrivelmente cedo a ideia de que aprender é competir, são uma praga nas escolas, seja qual for o resultado, o método, o preço ou os critérios de selecção. "Premiar o mérito" é muito mais fácil do que perceber que o "mérito" é já em si um prémio; e o verdadeiro mérito que queremos ensinar é o dos pódios, ou o de saber interpretar dados?

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