quarta-feira, 26 de maio de 2010

PRETO E BRANCO

por Rita Correia

Notícia do Público, de 22/05/2010:


Não vale a pena ler o resto da notícia, porque não relata a verdade dos factos, nem o que realmente se passou. Atenção: não o digo de forma a menosprezar o trabalho dos jornalistas do  Público, mas digo-o com conhecimento de causa. Este episódio passou-se há 2 anos na turma dos meus filhos mais velhos, e os mesmos foram envolvidos nesta palhaçada, tal como boa parte dos colegas de turma.Nunca me apeteceu muito falar sobre este assunto, até porque se encontrava em curso um processo judicial e respectivo Julgamento, mas agora, proferida a sentença e proferidos também toda uma série de disparates na blogosfera e afins acerca deste assunto, apetece-me contar o outro lado das coisas. Pelo menos, o lado que eu, enquanto mãe e educadora, fui forçada a viver e presenciar…

Factos:
O professor em questão tinha várias falhas na sua conduta como professor. Nenhum dos alunos “gostava” dele, o que já de si é sintomático.
Os alunos queixavam-se várias vezes de atitudes mais bruscas por parte do professor, assim como contestavam várias vezes as notas atribuídas. Várias vezes teriam dado conta ao director de turma que o professor brindava os alunos com expressões como “cão” ou “palhaço”.
O professor queixou-se várias vezes ao director de turma acerca do mau comportamento dos alunos, e das dificuldades que sentia para dar as aulas.
O aluno visado nesta situação também estava referenciado por mau comportamento nas aulas deste professor.
Os alunos desta escola chamavam várias vezes ao professor “careca” ou “cabeça de alfinete”, tanto nas suas costas como durante a aula, à frente dele.
Resta-me ainda esclarecer que este triste episódio se passou numa turma de 6º ano, portanto alunos com idades compreendidas entre os 11 e 13 anos.

A minha opinião:
Um professor não pode, nunca, em tempo algum, chamar CÃO, PALHAÇO, ESTÚPIDO, PARVO, ANORMAL, ou qualquer outro mimo do género a nenhum aluno. Não porque ele seja professor e deva “dar o exemplo”, mas sim porque deve haver respeito entre as pessoas. Sejam elas professores, políticos ou varredores de lixo.
Portanto, estamos perante uma pessoa (o professor) que provavelmente teria algumas dificuldades em fazer-se respeitar, dado que ele também não se daria ao respeito…
Assim, muito sinceramente, não me choca de sobremaneira que ele tenha chamado “preto” a um aluno. E se ele chamasse “branco” a um dos meus filhos?… seria ofensivo?
E se chamasse “cigano” a um aluno de etnia cigana?
Será que a expressão “preto” é ofensiva?
Chamar “preto” é mais ofensivo do que chamar “branco”?
Sei que o professor baseou a sua defesa no facto de não ser um indivíduo racista. Consta que até seria grande amigo de “pretos”…
Quantas vezes os amigos e colegas do aluno em causa, não lhe chamavam “preto”, sem que isso significasse que estariam a ser discriminatórios e racistas?
Choca-me sim a falta de respeito e de discernimento de parte a parte… A vitimização do “preto” e a arrogância do “branco”.
Para mim este episódio da Escola Mem Ramires nunca foi uma questão de racismo.
Vi-me forçada a ter se fazer parte deste circo (dado que os meus filhos, bem como a maioria dos colegas da turma de então, foram chamados como testemunhas no processo) sem me poder manifestar.
Esta foi uma questão de respeito e educação, ou melhor, da falta de ambos.
Foi mais um exemplo da bandalheira que se vive nas escolas, do jogo do empurra perpetuado por um sistema que retira autoridade à figura do professor e por outro lado pede que este faça o que as famílias há muito deixaram de fazer: educar as crianças para o respeito ao próximo e para as normas e regras de uma sã convivência social.
Que o professor teria falhas na sua prestação profissional e social, era já mais do que conhecido. Esta foi uma estratégia aproveitada para o afastar das suas funções, para o castigar por mau comportamento. E do lado dele, professor, que também moveu uma acção à mãe do aluno visado acusando-a de difamação, foi uma maneira de lhe tentar dizer que também ela estaria a exceder os seus limites, a fazer uma tempestade num copo de água, que ela teria também a sua dose de culpa neste triste fado.
E na verdade, esta foi mesmo uma tempestade num copo de água: no próprio dia do acontecimento, foram poucos ou quase nenhuns os alunos que ouviram a frase supostamente proferida “entra lá, preto”.  De acordo com os relatos dos meus filhos, essa foi uma aula absolutamente normal e igual às outras (leia-se: turma de pré-adolescentes em balbúrdia total e grande dificuldade do professor em controlar os ânimos), e o aluno visado, o “preto”, não mostrou quaisquer sinais de isolamento nem abatimento emocional, como relata a notícia do Público. Era como se nada se tivesse passado.
Acontece que, algumas semanas após o sucedido, quando a notícia chegou em manchete aos jornais locais e até aos programas da manhã e tarde na televisão, e se vêm pais “pretos” a vociferar de forma enraivecida em conferências de imprensa improvisadas. De repente deu-se uma epifania e já toda a gente teria ouvido a frase da discórdia, e cada um lhe acrescentava mais um pormenor sórdido para aumentar a intensidade.
Daqui à barra dos Tribunais levou um ano: várias convocatórias intimidatórias para ir à esquadra de investigação criminal prestar declarações acerca do sucedido, várias tardes a faltar ao trabalho para acompanhar os respectivos filhos menores nestas diligências, várias aulas e até testes a que os alunos faltaram para cumprirem o seu dever zeloso de colaborar com a investigação.
Chegado o caso à barra do Tribunal, volta o circo a ser montado: jornais, notícias, manchetes, notificações, esperas intermináveis nos corredores da domus iustitiae, faltas ao trabalho, faltas às aulas, resmas de papéis e horas perdidas em vão.  Já para não mencionar o facto de que o acontecimento estava há muito esquecido na memória dos alunos/testemunhas, e que muitos deles (incluindo os meus filhos) já não frequentavam aquela escola, nem tinham mantido mais qualquer contacto com nenhum dos intervenientes.
E o que é que se ganhou com isto? Nada. Pelo contrário, todos perdemos.
Perdeu a escola, que se mostrou ineficaz em resolver os seus problemas internos (falta de profissionalismo, desrespeito, indisciplina) e de comunicar com os pais;
Perderam os alunos, que se viram obrigados a tomar partido entre um aluno queixoso ou um professor mal educado;
Perdeu o professor, que viu a sua vida pessoal e profissional devassada e irremediavelmente comprometida;
Perdeu a Justiça, que mais uma vez se viu arrastada a toque mediático e se viu forçada a responder a algo que podia ter sido logo sanado à nascença.
Perdemos todos nós, enquanto educadores e membros de uma sociedade, que continuamos a permitir e alimentar as faltas de respeito pelo próximo.
Ah!, afinal parece que alguém ganhou! A família do aluno “agredido” que vai receber uma indemnização no valor de 1000€ (mil euros). Será que os vai doar a uma associação de luta contra o racismo (já que segundo eles, esta era uma questão de racismo…), ou vão aproveitar para estimular a economia nacional e combater o défice, gastando-os numa qualquer superfície comercial?…
E já agora, será que o aluno deixou de ser preto e o professor deixou de ser mal educado?…

Reproduzido, com autorização da autora, daqui

Sem comentários:

Enviar um comentário