Eis a carta que vou enviar ao Primeiro Ministro
Caríssimo Primeiro-Ministro,
Sou, desde sempre, frequentadora assídua dos CTT. E se é verdade que de há uns anos para cá são raras as cartas pessoais que escrevo ou recebo, isso não significa que a azáfama em torno da minha caixa do correio tenha diminuído. Documentação importante, a burocracia que nos vai fazendo os dias, e as compras que faço on-line mantêm vivo um gesto quotidiano, pelo qual passa a minha ligação pelo mundo: abrir a caixa do correio. O que mais passa por lá são livros — comprados, emprestados, trocados. E é por eles, também, que mais me desloco às estações dos CTT, para fazer parte de um fluxo de cultura que percorre o mundo e que, pela minha parte, não seria possível sem essa pequena maravilha que é a "taxa de livro".
Talvez a minha vida fosse mais fácil se os correios, seja lá onde for por essa Lisboa, não estivessem sempre apinhados: de gente que manda cartas e postais, é certo, mas sobretudo de quem tem pensões para receber e contas para pagar, e muitos imigrantes que enviam e recebem as coisas mais importantes e ridículas com que tentam enganar a saudade (e também para mim, nos meus dias de estrangeiro, talvez sobretudo nesses tempos, os correios traziam pontes, alegrias, cigarros e chouriços, carinhosamente embalados pelos preços não absurdos dos CTT).
Mas escrevo-lhe de barriga cheia, eu sei. Tenho acesso pleno à Internet, pago as minhas contas por home banking, e todos os balcões da minha vida têm um número suficiente de empresas a entupir as filas com centenas de cartas ao fim da tarde para lhes permitir passar no teste da rentabilidade. Temo pelo futuro da taxa de livros, é certo. Porque ela tem a ver com uma aposta política no incentivo da leitura, que, como espero que saiba que eu sei, não se coaduna propriamente com a lógica do lucro e dos dividendos das empresas privadas.
É que o Estado, senhor Primeiro-Ministro, pode gerar lucros, mas tem obrigações sociais. E as empresas privadas, e fica-lhes muito bem, porque está na sua natureza, têm uma única obrigação: a de gerar lucro. É essa a grande diferença, e quem a vai sentir na pele somos nós, os utilizadores assíduos dos CTT.
Não pense nos livros que eu não vou enviar; pense no interior do país, onde a própria distribuição de correio não sobreviverá ao teste implacável da rentabilidade. Pense em todos os serviços que tem, enquanto cidadão, ao virar da esquina, e que passarão a estar demasiado longe para tanta gente. Pense num país mais desigual, mais povoado de isolamento, cada dia mais esquecido de que a sua principal economia são as pessoas que cá vivem.
Ainda por cima, veja lá… os CTT dão lucro! Ao Estado! Lucro e serviço público, tudo numa só cartada. Que o Senhor Primeiro Ministro parece tão empenhado em descartar. Que nos interessa a cosmética barata em torno do défice, se a médio prazo perdemos receitas e serviços? Há coisas que não se privatizam, como o Senhor Primeiro Ministro tantas vezes tem dito; e se quer que acreditemos que acredita no que diz, perceba que os CTT são uma delas.
Com os melhores cumprimentos,
Mariana Avelãs
Ps: Não leia nas entrelinhas de estou de acordo com o resto das privatizações previstas no PEC; são igualmente vergonhosas. Mas tratemos de uma coisa de cada vez...
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