terça-feira, 20 de julho de 2010

ESPALHEM A NOTÍCIA...

A ANA esteve nas notícias há pouco tempo, e pelos piores motivos: privar as mães que fazem uso do direito a redução de horário para amamentação previsto na lei do prémio de assiduidade é grave, sobretudo vindo de uma empresa tutelada pelo Estado. E é grave a vários níveis: é uma violação clara do código de trabalho e demonstra quão tacanha é a mentalidade dos gestores em relação à questão da parentalidade no mercado laboral.
Aliás, o facto de não ser claro nas notícias vindas a lume sobre o assunto se a discriminação recai apenas sobre as mães que amamentam ou sobre todas as mães, já que o direito a redução de horário durante o primeiro ano de vida da criança está associado ao conceito de "aleitamento" e não de "amamentação", é por si só sintomático da ignorância que impera no que diz respeito à legislação laboral neste domínio.
Existe em Portugal uma falta de articulação absurda entre os vários discursos em torno da parentalidade: o Ministério da Saúde promove a amamentação, mas a licença de parentalidade não está pensada de forma a garantir o mínimo recomendado pela OMS (6 meses em exclusivo); fala-se muito da necessidade de acompanhamento das crianças, mas impõe-se a flexibilização dos horários de trabalho e vínculos laborais cuja precariedade não deixa a muitos pais outra opção que não abdicarem dos poucos direitos que têm; e o direito à educação está consagrado na lei, mas nos centros urbanos o número de vagas nos berçários e infantários públicos continua a ser irrisório.
Mas o mais grave é a impunidade com que se despreza a lei um pouco por toda a parte, sobretudo num contexto de crise, em que o medo e a chantagem se tornam (ainda mais) frequentes. A pressão patronal para que se abandonem direitos deste calibre demonstra não apenas tacanhez, como ainda uma mentalidade que parte do princípio de que direitos como a redução do horário, a apoio à família ou a protecção no despedimento são meros adornos politicamente correctos, que não é importante respeitar ou implementar na gestão quotidiana das empresas. Faltam aliás estudos que nos possibilitem avaliar a dimensão do problema: quantos pais e mães optam por reduzir as licenças ao mínimo, quantos aceitam ser despedidos por verem as suas vidas transformadas num inferno, quantos vêem as suas carreiras prejudicadas simplesmente porque exigem que se respeite o horário de saída, quantas mulheres não são contratadas por estarem grávidas ou terem filhos pequenos? Mas talvez o principal dado a apurar seja a quantidade de pais e mães cuja precariedade os deixa de fora de todos estes direitos.
A verdade é esta: emprenham-nos pelos ouvidos com a insustentabilidade social e económica de uma sociedade envelhecida, como se a procriação fosse uma espécie de desígnio biológico plasmado na responsabilidade social; mas depois nada se faz para que quem quer ter filhos os possa ter — porque ter filhos não se resume a pari-los. E insustentável é uma sociedade que não assume que as leis laborais de protecção à parentalidade não são privilégios, mas um direito básico… das crianças.

Publicado no Esquerda.net

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