por João Paulo Videira
Assisti, na noite de quatro de Março, à Grande Entrevista, na RTP1, onde Judite de Sousa questionou o seu convidado do dia, Dr. Medina Carreira, acerca da actual situação financeira e económica do país.
Com a contundência que lhe é conhecida, o Dr. Medina Carreira assumiu o papel de Nostradamus da finança nacional e internacional e informou-nos a todos que íamos morrer pobrezinhos e na miséria e assustou-nos muito com o facto de devermos, todos e cada um, dezoito mil euros a não sei quem. Em meio disto, o Dr. Medina carreira lá foi dizendo que dizia sempre o que lhe apetecia porque era livre pois não devia nada a ninguém, destruiu tudo e todos em Portugal, com particular ênfase para a classe política que responsabilizou pela nossa desgraça, respondeu a todas as perguntas com um discurso pessimista e catastrófico, e, para meu espanto, deixou a senhora jornalista “pendurada” que é como quem diz sem resposta, à mais importante de todas as perguntas que lhe foram feitas naquela meia hora.
Vamos por partes, eu gostava de lembrar o Dr. Medina Carreira que um homem não é livre porque não deve nada a ninguém. O conceito de Liberdade não se pode confundir com não ter dívidas de carácter financeiro. É livre um homem que livremente se expressa e que o faz de forma crítica, com preocupação construtiva e com responsabilidade pelas consequências dos seus actos agidos e dos seus actos ditos. Ora, um homem que, sendo convidado para identificar um problema e para ajudar a solucioná-lo, não tendo capacidade ou vontade de fazer a segunda tarefa, deveria ter a liberdade de recusar o convite endossado.
Depois, houve aquele zurzir na classe política, aquele apelidar de trafulhas tão ao seu gosto, aquele identificar de corrupções diversas, aquele imputar de responsabilidades aos políticos pela falta de capacidade e pela falta de coragem. Ora, eu não podia estar mais de acordo. E concordo com todas as vertentes da crítica. Só invoco aqui o assunto porque o Dr. Medina Carreira distancia-se muito daquilo a que chama “essa gente” como se dela não fizesse ou tivesse feito parte. Como se não fosse um dos responsáveis pela calamitosa, no seu dizer, situação política e financeira a que chegámos. Numa breve investigação, apurei, em local público, que o Dr. Medina Carreira desempenhou já as seguintes funções:
* Membro do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
* Membro do Conselho Fiscal da Fundação Oriente.
* Vice-presidente do Conselho Nacional do Plano.
* Vogal do Conselho de Administração da Expo'98.
* Presidente da Comissão de Reforma de Tributação do Património.
*Presidente da Direcção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
*Subsecretário de Estado do Orçamento durante o VI Governo Provisório
*Ministro das Finanças do I Governo Constitucional. Foi nessa condição que negociou com o FMI um empréstimo no valor de 750 milhões de dólares.
E fica-me uma questão. Não é o Dr. Medina Carreira um dos políticos responsáveis pelo estado a que chegámos e tanto crítica? Não tem ou teve responsabilidades governativas? E, se assim for, donde lhe vem a autoridade moral e política para tanto zurzir? Sendo certo, para mim, que zurzir é sempre bom desde que haja a responsabilidade de construir e propor. E foi precisamente isso que o Dr. se escusou a fazer como veremos.
Vamos, então, à pergunta feita, não respondida. Judite de Sousa, de forma inteligente, insistiu com o entrevistado para que lhe dissesse, a ela e ao país, como é que nós TODOS poderíamos contribuir para resolver o problema financeiro que ele enunciara. Ora, o Dr. que havia sido tão hábil a identificar o mal, desviou-se da pergunta, chutou para canto, e, efectivamente não respondeu. Sempre aproveitou, noutras alturas da entrevista, para dizer que era inútil fazer greves e que tinha de haver cortes nos salários. Ou seja, para além de retirar poder de compra e subsistência a quem trabalha e de declarar a inutilidade da liberdade de lutar, o senhor, que se considera um homem livre, não obstante ser um iluminado que diz o que lhe apetece, pode dizer o que lhe apetece mas não consegue dizer nada que nos ajude. Fiquei triste porque aquela pergunta foi muito bem colocada e continha em si a formulação mais importante para quem quer resolver este problema: como é que TODOS os portugueses podem contribuir. E o Dr., a isso, não soube dar resposta. Ora, a mim, a resposta que ele conhece não me interessa: responsabilizar sempre os mesmos e onerar sempre os mesmos, sacrificar sempre e mais as pessoas que trabalham, descontam, pagam, sustentam e se sacrificam pelo país.
A coberto da sua contundência e de um discurso bem estruturado, pode, o Dr. Medina Carreira, iludir a população em geral e deixar os portugueses inibidos de lutarem pelos seus direitos e de lutarem por uma vida melhor. Mas é importante que o Dr. saiba que ainda há muitos de nós que pensam e são capazes de um raciocínio efectivamente crítico e esses sabem que sacrificar sempre os mesmos por um problema criado por outros, também os mesmos, os mesmos de que o Dr. faz parte, não é a solução para os nossos problemas nem constitui resposta para a pergunta a que, infelizmente, não respondeu.