segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O NARCISISMO DO "PROTESTO"

Afinal, esta sondagem não andou assim tão longe da realidade: 2 223 133 portugueses votaram em Cavaco Silva (é legítimo, a mim não me vão ouvir a dizer mal da democracia), e elegeram-no com 52,9%. Mas foram 2 500 625, 55,8% dos que foram votar, os que contribuíram directamente para a sua eleição. 4 943 864 não foram sequer votar; somados aos 277 492 (6,19%, o suficiente para forçar uma segunda volta) que votaram mas não contaram para os votos expressos e aos votos do Cavaco, 77,3 % dos eleitores optaram pela continuidade de um político que está a marcar o sistema desde 1985, mesmo que cerca de 55% não tenha votado nele. É legítimo, a mim não me vão ouvir a dizer mal da democracia.
Diz-se por aí que os não-votos são votos de protesto. São mais, eu votei com cruz no quadradinho, e também protestei. Ou menos, que ninguém pode ler o que está em branco. Numa eleição em que votos brancos e nulos são equiparados na contagem à abstenção e em que não há consequências representativas para os votos que não se traduzem numa eleição (que o diga o Manuel Alegre… como se viu, a única coisa que se pode fazer com um milhão de votos é festas ao ego), contribuir para um resultado é… contribuir para um resultado, ponto. E o resultado que temos é o Cavaco Silva sempre eleito à boleia de um protesto tão vago e vazio que se esqueceu de o incluir como alvo.
Este senhor apelou à "abstenção activa." Tem tanto direito a reclamar "vitória" como a vizinha do lado que diz que não votou para castigar o facto de não haver mulheres candidatas ou quem escreveu no boletim que a prima da sogra estava a comer pasteis de nata à pala do rendimento mínimo e por isso devia ser proibida de votar ou obrigada a votar a fazer o pino. E agora divirtam-se a discutir se é mais protestante sair de casa para que tudo fique na mesma ou nem se dar ao trabalho de sair de casa por isso mesmo e um queijo. Enquanto já o estão a fazer, o cavaco lê a Visão descansadinho e o Oliveira e Costa é julgado uma semana depois da data marcada.
Se votamos no que só nós sabemos (e ainda exigimos que nos contem as não participações nas votações em alternativa), a política continua a ser dos outros, os maus, os igualmente maus, os mais maus que os maus. À espera do special one que nos vai galvanizar a todos até se achar demasiado impoluto para a nossa impoluta cruzinha. Temos a democracia que fazemos, e fazemo-la quando achamos que são os outros que a estão a fazer. E temos os protestos que escolhemos fazer. Ou não.

Foto: The Remarkable Rocket, Oscar Wide.
Now I am going to explode," he cried. "I shall set the whole world on fire, and make such a noise that nobody will talk about anything else for a whole year." And he certainly did explode. Bang! Bang! Bang! went the gunpowder. There was no doubt about it.
But nobody heard him, not even the two little boys, for they were sound asleep.

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