quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O MEU DEVER É FALAR, PARA NÃO SER TOMADO POR CÚMPLICE

Dada a sua pertinência tomo a liberdade de inserir neste blog este
excelente texto de Santana Castilho recentemente publicado no diário
Público. Merece mesmo ser lido.

Foi duplamente incoerente o apelo ao respeito e à valorização dos professores que Cavaco Silva fez em Paredes de Coura

O meu dever é falar, para não ser tomado por cúmplice

“Que patifes, as pessoas honestas” é uma citação atribuída ao escritor francês Émile Zola, que me revisita sempre que vejo os políticos justificarem com o manto diáfono da legalidade comportamentos que a ética e a moral rejeitam. E é ainda Émile Zola que volta quando a incoerência desperta o meu desejo de falar, para não ser tomado por cúmplice.
Foi duplamente incoerente o apelo ao respeito e à valorização dos professores que Cavaco Silva fez há dias em Paredes de Coura. Incoerente quando confrontado com o passado recente e incoerente face ao que tem acontecido no decurso da própria campanha eleitoral. Em 2008 e 2009, os professores foram continuamente vexados sem que o Presidente da República usasse a decantada magistratura de influência para temperar o destempero. E foi directa e repetidas vezes solicitado a fazê-lo. Por omissão e acção suportou e promoveu politicas que desvalorizaram e desrespeitaram como nunca os professores e promulgou sem titubear legislação injusta e perniciosa para a educação dos jovens portugueses. Alguma ridícula e imprópria de um país civilizado, como aqui denunciei em artigo de 11.09.06. Já em plena campanha, Cavaco Silva disse num dia que jamais o viram ou veriam intrometer-se no que só ao Governo competia para, dias volvidos aí intervir, com uma contundência surpreendente, a propósito dos cortes impostos ao ensino privado. Mas voltou a esconder-se atrás do silêncio conivente, agora que é a escola pública o alvo de acometidas sem critério e os professores voltam a ser tratados, aos milhares, como simples trastes descartáveis.
Imaginemos que o modelo surreal para avaliar professores se estendia a outras profissões da esfera pública. Que diria Cavaco Silva? Teríamos, por exemplo, juízes relatores a assistirem a três julgamentos por ano de juízes não relatores, com verificação de todos os passos processuais conducentes à sentença e análise detalhada do acórdão que a suportou. Teríamos médicos relatores a assistirem a três consultas por ano dos médicos de família não relatores; a verificarem todos os diagnósticos, todas as estratégias terapêuticas e todas as prescrições feitas a todos os doentes. Imaginemos que os juízes teriam que estabelecer, ano após ano, objectivos, tipo:
Número de arguidos a julgar, percentagem a condenar e contingente a inocentar.
O mesmo para os médicos: doentes a ver, a declarar não doentes, a tratar directamente ou a enviar para outras especialidades, devidamente seriadas e previstas antes do decurso das observações clínicas. Imaginemos que o retorno ao crime por parte dos criminosos já julgados penalizaria os juízes; que a morte dos pacientes penalizaria os médicos, mesmo que a doença não tivesse cura. Imaginemos, ainda, que o modelo se mantinha o mesmo para os juízes dos tribunais cíveis, criminais, fiscais ou de família e indistinto para os otorrinolaringologistas, neurologistas ou ortopedistas. Imaginemos, agora, que um psiquiatra podia ser o relator e observador para fins classificativos do estomatologista ou do cirurgião cardíaco. Imaginemos, por fim, que os prémios prometidos para os melhores assim encontrados estavam suspensos por falta de meios e as progressões nas respectivas carreiras congeladas. Imaginemos que toda esta loucura kafkiana deixava milhares de doentes por curar (missão dos médicos) e muitos cidadãos por julgar (missão dos juízes). A sociedade revoltava-se e os profissionais não cumpririam. Mas este modelo, aplicado aos professores, está a deixa-los sem tempo para ensinar os alunos (missão dos professores), com a complacência de parte da sociedade e o aplauso da outra parte. E os professores cumprem. E Cavaco Silva sempre calou.
Ultrapassámos os limites do tolerável e do suportável. Ontem, o estudo acompanhado e a área projecto eram indispensáveis e causa de sucesso. Hoje acabaram.
Ontem, exigiram-se às escolas planos de acção. Hoje ordenam que os atirem ao lixo.
Ontem, Sócrates elogiou os directores. Hoje reduz-lhes o salário e esfrangalha-lhes as equipas e os propósitos com que se candidataram e foram eleitos.
Ontem puseram dois professores nas aulas de EVT em nome da segurança e da pedagogia activa. Hoje dizem que tais conceitos são impróprios.
Ontem sacralizava-se a escola a tempo inteiro. Hoje assinam o óbito do desporto escolar e exterminam as actividades extracurriculares.
Ontem criava-se a Parque Escolar para banquetear clientelas e desorçamentar 3 mil milhões de euros de dívidas. Hoje deixaram as escolas sem dinheiro para manter o luxo pacóvio das construções ou sequer pagar as rendas aos novos senhores feudais.
Ontem pagaram a formação de milhares de professores. Hoje despedem-nos sem critério, igualmente aos milhares.
Os portugueses politicamente mais esclarecidos poderão divergir na especialidade, mas certamente acordarão na generalidade: os 36 anos da escola democrática são marcados pela permanente instabilidade e pelo infeliz desconcerto politico sobre o que é verdadeiramente importante num sistema de ensino. Durante esses 36 anos vivemos em constante cortejo de reformas e mudanças, ao sabor dos improvisos de dezenas de ministros, quando deveríamos ter sido capazes de estabelecer um pacto mínimo nacional de entendimento acerca do que é estruturante e incontornável para formar cidadãos livres. Sobre tudo isto, o silêncio de Cavaco Silva é preocupante e obviamente cúmplice.

Santana Castilho Professor do ensino superior in Publico 19.01.11

1 comentário:

  1. Vou comentar o seguinte. Este putativo professor, pois não sei onde ele lecciona, de vez em quando escreve umas coisas interessantes, mas devo dizer que o seu modo de falar e estar é extremamente desagradável e sem nexo. A propósito porque não adopte o professor um casamento poligamo, Talvez ainda vá a tempo de fazer muitas criancinhas, pois com a baixa natalidade do Pais qualquer dia são mais professores do que alunos. Tenha paciencia, pois é a vida como disse Guterres. Dentro da minha formação profissional "A MÁQUINA TEM SEMPRE RAZÃO" E ESSE É O GRAVE PROBLEMA DA SOCIEDADE OCIDENTAL E NÃO SÓ. CADA COMPUTADOR LIGADO EM REDE MATA 3O TRABALHADORES. E quanto a isso nada podemos fazer. Aconteceu o mesmo com a Industrialização do século 19 e continuará a acontecer cada vez mais. Até porque, pode parecer insensibilidade mas como os velhos duram cada vez mais, isto não está para melhorar.

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