quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CASSANDRA E O PEQUENO-ALMOÇO

Há uma nova panca nacional: opinar com indignação informada sobre a relação custo/valor nutritivo do pequeno-almoço de quem recebe o Rendimento Social de Inserção. E é como na história da sopa de pedra: o enredo é sempre o mesmo em toda a parte, só ficamos mais informados quanto aos hábitos alimentares do povo em questão — e em Portugal, decididamente, não vamos para lá da bola de berlim/pastel de nata com galão.
Não tenho qualquer dúvida de que são os pasteis de nata que fizeram descabambar isto tudo, e que ser pobre acarreta a obrigação de estar na vanguarda da nutrição: afinal, pão de mistura integral, sumo de laranja natural e compota de abacate no recato do lar são o que garante a erradicação do desemprego, e fazem parte do quotidiano da esmagadora maioria das famílias decentes em Portugal. Como se sabe.
Sabe-se também que há crianças a passar fome nas escolas (porque os pais não abdicam da sua dose diária de gordura hidrogenada, claro), e que os filantropos "mercados" e o FMI vão acabar com isso garantindo que o Estado passe a pagar a empresas privadas idóneas os valores milionários do RSI e dos abonos de família para que disponibilizem cursos de frequência obrigatória sobre poupança e nutrição. Ministrados por técnicos especializados, a recibos verdes e a troco de 300 euros e de uma mão cheia de amêndoas, que são uma excelente fonte de nutrientes.
É este o futuro, sereno e inevitável. Somos contra, mas apoiamo-lo. Porque a política de verdade é a do fingimento, e esses senhores e senhoras a quem gostamos de chamar mercados, que se nutrem das nossas vidas nos seus festins de especulação, têm a garantia constitucional de que ninguém vai querer comentar o que austeramente comem ao pequeno-almoço. Têm direito a isso, porque quem paga, manda.

Sem comentários:

Enviar um comentário