terça-feira, 26 de julho de 2011

HORTA COMUNITÁRIA DA DAMAIA

Não faço puto de ideia de onde é que sou. Escrevo Caldas da Rainha em tudo o que é formulário (e pasme-se, fiquei a saber que tinha mudado de local de nascimento quando tirei o cartão de cidadão), mas podia escrever Luísa Arroz, que é a única coisa que me liga às Caldas desde 1979. Percebi que gostava de Lisboa quando vivia na Irlanda, e fiz dela a minha cidade a ponto luz bordada. Nunca tinha reparado que a luz podia ter nuances de telhados e colinas e que as janelas são o que define as casas, até me ver perdida duas vezes por ano numa terra que supostamente era a minha, mas em que eu era temporariamente estranha a tudo. A luz de Lisboa acalmava-me, quando os amigos me pediam para resumir num café toda uma outra vida banal, mas feita de outras luzes, e eu via por toda a parte gente que não podia estar cá, sabendo que quando regressasse à minha Irlanda de estudantes sempre em trânsito ia sentir todas as ruas povoadas de ausências. Em Lisboa, em Coleraine ou nas Caldas da Rainha, as minhas raízes serão sempre de carne e osso, porque as pessoas são as únicas coisas que crescem de acaso para raiz.
Toda a santa vidinha andei em escolas longe de casa, e nunca, mas mesmo nunca, por pruridos imbecis dos meus pais quanto a rankings e disparates quejandos. Sim, fui estudar para a Damaia voluntariamente, antes de lá morar. Para a Damaia, sítio que sempre detestei, porque se apanhava um comboio para ir para Lisboa, sendo que Lisboa ficava a 5 minutos de distância. Sítio onde se pagava tarifa 4 num taxi à noite, que fazia com que 100 metros ficassem mais caros do que ir do Bairro Alto até às Portas de Benfica. Sítio onde o único autocarro acabava às 7 da tarde, e passava de meia em meia hora (tudo isto mudou entretanto). Mas sítio cheio de gente que já era a minha gente quando fui para lá viver. E sítio que me dá um gozo do caraças citar agora, porque parece que a minha vida absolutamente normal e pacífica passou a ser um tratado suburbano de sobrevivência multicultural. Triste é saber que uma das minhas escolas, coladinha à Cova da Moura, passou a ser uma escola de rankings, que selecciona alunos e sacrifica aquilo que tinha de melhor: gente de toda a espécie e feitio, bons alunos e maus alunos, que faziam dela uma escola igual às outras todas. Sim, pasmem: uma das escolas da Damaia, colada à Cova da Moura, é agora uma escolazeca de elite. Pior para quem lá anda.
Porque a Damaia é um sítio igual a todos os outros. Onde continua a morar muita da minha gente, que é tão minha como a gente que se fez minha por outras partes, mas nem por isso menos minha. E não pondo eu lá os pés há muito tempo, tenho um orgulho estúpido neste projecto: Horta Comunitária da Damaia. E não é só porque gosto muito de quem o planta que vos convido a assinar a petição. A Damaia é um pormenor; quem faz coisas destas é que não.

3 comentários:

  1. minha brilhante!

    Joana Pereira

    ResponderEliminar
  2. És um doce, Mariana! Gosto-te. Muito!
    Este texto é uma das coisas mais bonitas que li nos últimos tempos! E olha que eu sou uma leitora compulsiva...
    Beijo.

    ResponderEliminar